sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

apanhada em múltiplos

Na secreta esperança que não me seja requerido nenhum discurso especial sobre o trabalho que mostro em 'Múltiplos de ti', lá vou eu de sorriso aviado para o Fórum da FNAC do Gaia Shopping. É hoje o lançamento 'a Norte' do livro e o Pedro Maia, que apanhei à má fila, lá vai dissertar sobre os poemas. É de amigo. À Márcia Venâncio pedi para ler alguns dos poemas - os mais difíceis. COmo amiga também não deixou de aceitar. Mas tenho de vos dizer que, eu que os escrevi, não sou capaz de dizer a maioria daqueles poemas. Primeiro porque é preciso tê-los de alguma forma de memória para lhes aproveitar as subtilezas. Depois porque estou demasiado treinada e entrincheirada nas minhas defesas emocionais para ser capaz de verbalizar em voz alta o que escrevo em dias de maior silêncio. Silêncio do mundo para comigo, assim como quem me dá um intervalo para pôr ideias em ordem ou, melhor, para lhes achar alguma espécie de ordem...
A poesia é como um rompante que se tem num momento de menor controlo. Escreve-se como se sente. Por isso não se aconselha a quem tem a fobia do controlo. Ou do descontrolo. É como dizer aos outros vê lá como eu sinto, vê lá e diz-me lá se também és capaz. E logo a seguir querer não ter dito nada, rigorosamente nada, porque o que se pôs em marcha, através da magia do verbo, das palavras, foi uma parte interior de nós que, de repente, sai como se as paredes do chuveiro tivessem desaparecido e déssemos connosco a andar pela rua sem ter tido tempo de deitar a mão ao toalhão de banho. Digam-me lá se não é confrangedor. Digam-me se não vos daria vontade de se enfiarem por um buraco adentro e apagar os últimos momentos como quem tem acesso ao gravador de cassetes.
É a pior parte da criação de uma obra, a do confronto com a eficácia/utilidade que os outros nela acham. Porque o que representa grandes nacos da nossa vida em tempo e energia vital dispendida num projecto, é de repente confrontado com lógicas e razões que lhe são completamente alheias. Mostrando uma criação, o criador abre uma caixinha de Pandora e solta anjos e demónios indiferentemente. Confesso que não é o meu passatempo preferido para depois do jantar, nem para altura nenhuma.
Logo a seguir vem outro pesadelo: tentar responder a perguntas sobre o que e como e por que fazemos. Ou não responder de todo, porque ninguém pergunta, mas há que aguardar uma eternidade até à decisão de dar por terminado o indeterminado tempo de resposta...