quarta-feira, 19 de março de 2008

dia de pai e filha


















A catraia da esquerda, na fotografia, é a minha irmã Xuxu, ou Ana, para quem não é da família. A foto foi tirada no Mecúfi, que fica no Norte de Moçambique e é uma das praias mais bonitas que conheço (desculpa, mana Bomba, mas não tinha aqui nenhuma fotografia contigo).
A Xuxu hoje faz anos. Nasceu no dia do Pai e teve a sorte de ter, como parteiro circunstancial, o nosso pai. Foi há quarenta e sete anos, em Vilanculos, outra praia linda.
O hospital local na altura era um pouco rudimentar e houve alturas em que o médico tinha de instalar os pacientes em cima de mesas e coser ferimentos de jacarés e outras forças naturais com o que tinha à mão.
Chegada a altura de nascer esta minha irmã, o médico achou que a casa dos meus pais era mais do que adequada ao acontecimento. Por isso, como nos filmes, preparam-se as fervidelas e lá esteve a minha mãe em trabalhos, pela quarta vez. Foi uma experiência e tanto, com o Dr. Ribeiro e o meu pai a constatar que, se fossem mulheres, jamais teriam filhos. Foi com certeza um momento de inspiração para a parturiente, que felizmente já se lembra disso com humor.
A experiência criou, claro, um elo especial entre o meu pai e a Xuxu, que sempre foi franzina, difícil de alimentar, energética e divertida. Só ela tinha pedacelos, faltas discipliquinates e creio que foi a responsável moral pelos casos pondados e ponto final, uma expressão que se vulgarizou entre nós cinco (irmãs) quando, à mesa, imitávamos os adultos nas suas conversas ponderadas (pondadas).
A Xuxu de hoje é uma mulher que admiramos, com um humor que continua a desmanchar-me de riso. Parabéns, mana.



















O pai é este, muito entretido a ensinar-me a assobiar. Também me ensinou outras coisas que ainda hoje recordo. Descubro-me muitas vezes a sorrir das coisas que o vi fazer e dizer.
Lembro-me, por exemplo, das viagens de land rover pelas picadas moçambicanas e da forma como nos dizia para fechar os olhos quando surgia uma daquelas pontes que eram apenas dois troncos atravessados sobre o rio. Explicava ele que fazia pontaria com o carro e depois fechava os olhos, esperando acertar. Um dia abri os olhos para ver se ele fechava os dele. A memória é traiçoeira, eu sei, mas quase posso jurar que ele também fechava os olhos, como nos dizia...
Houve uma vez que fiz uma birra no fim de uma caçada. Era uma pirralha e já estava acordada há muitas horas. A excitação de participar naquelas expedições com o meu pai também não me deixava dormir em condições. Por isso, toca a embirrar porque queria atirar com uma espingarda. E não me calava, que do meu pai também ganhei a teimosia e a determinação. Então ele acedeu. Mandou-me pôr em cima de um morro de muchem (formigas com asas), deu-me a espingarda e, vá, atira. Atirei e caí para trás, claro. Ainda não tens idade para atirar, concluiu ele. Passou-me logo a birra. Ficou a humilhação, claro.
De outra vez, a minha irmã Paula e eu resolvemos que já éramos suficientemente crescidas para fumar. Determinadas, fomos ter com o meu pai e comunicámos-lhe a nossa decisão. Ele concordou e prestou-se logo a ajudar-nos. Encheu um cachimbo, acendeu-o e passou-o para as nossas mãos, com instruções precisas sobre como inalar profundamente e reter algum tempo o fumo antes de o soltar. Assim fizemos e o resultado foi irmos a correr para a casa de banho para vomitar. Então, não querem mais?, quis ele saber. Claro que não quisemos, durante muitos anos.
Quem é a Lola? foi uma pergunta que ele repetiu tantas vezes, que se tornou um clássico familiar. A Lola era uma amiga nossa, que de vez em quando passava férias connosco. Um dia, quando estávamos todos a almoçar e a conversa era, mais uma vez, sobre as coisas que a Lola fazia, o meu pai levantou os olhos e perguntou, quem é a Lola? Foi a gargalhada geral, porque a Lola estava à mesa connosco.
O certo é, que ao longo dos últimos cinquenta e três anos, tem sido pai das cinco filhas e o role-model dos cinco netos que não tiveram oportunidade de saber o que é ter o pai sempre presente.
Parabéns, Pa.