sexta-feira, 10 de agosto de 2012

escrever

Hoje apetece-me escrever. À antiga, com um lápis afiado e num caderno de linhas, para sentir o riscar da ponta de carvão na folha. Gosto de lápis porque me transmitem segurança. Se escrever o que não quero, posso apagar e emendar o erro. As canetas são mais definitivas. Mesmo que se risque o que não se quer, fica o registo do erro, como um mapa de falhanços. Olha-se para as folhas e estão lá marcados todos os tropeços do caminho. Só que nada é definitivo, por isso, escrevo a lápis. A lápis sente-se o desenho das letras. Sabemos, com certeza, que estamos a desenhar uma realidade letra a letra. Controlamos o desenho da nossa escrita, da nossa história. Hoje vou escrever a lápis e desenhar uma fracção da minha história.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

foi Adão que mordeu a maçã...

Que se passa realmente quando alguém acha que outra pessoa deve gostar de se sentir assediada, insultada, ameaçada e desrespeitada? O que faz alguém sair de um lugar do mundo onde não tem liberdade para ir para outro local onde ela existe e aí pode, por seu turno, ameaçar a liberdade dos outros? E o que fazem os que não concordam com isso?


Documentário de Sofie Peeters sobre o assédio às mulheres nas ruas de Bruxelas.
E o que ganha um ser humano com a sua falta de respeito para com os outros? O mesmo, basicamente. Fazendo vítimas, escolhe para si idêntico papel. O que os homens fazem às mulheres é, infelizmente, uma afirmação de como se sentem: frágeis e permeáveis a todas as tentações. Acho que foi Adão que mordeu a maçã e não o contrário.

domingo, 5 de agosto de 2012

para onde foi a cultura?

Imagem daqui
As páginas de cultura desapareceram dos jornais (depois afligem-se que eles acabem...). Aqui há uns anos, e não foram muitos, todos tinham páginas de cultura, que distinguiam entre as várias disciplinas, artes plásticas, literatura ou livros, cinema, teatro, televisão. Agora, nem online se descobrem notícias. Até o Expresso, que tanto se acha e em tempos se exibia no café para demonstrar o alto estatuto intelectual de quem o lia, carregou no Delete dessa desinteressante rubrica. As suas sugestões culturais resumem-se aos filmes, norte-ameriacanos, claro, porque já ninguém vai ao Nimas nem ao Quarteto, onde as fitas não passam em volumes de som que têm de se sobrepor ao barulho de trincadelas de pipocas e sorveduras de gasosas.
O Correio da Manhã, sempre considerado um subproduto da imprensa, é dos poucos que ainda mantém a palavra Cultura nos seus separadores, como parte do Lazer. O Público também, mas é escusado tentar divulgar o esforço de escritores, artistas plásticos e outros trabalhadores culturais, porque o enfoque é geralmente dado aos subsídios, aos famosos depois de mortos, às fundações e às guerras dos gangues organizados que se apoderaram dos postos 'culturais' ainda existentes e com direito a algum dinheiro. Não tentem encontrar aí sugestões e opiniões sobre livros, exposições, peças ou iniciativas meritórias. O artista tem de aparecer na televisão para merecer honras de artigo ou entrevista. Mesmo assim, o mais provável é que a escrita seja sobre a sua vida pessoal e não sobre o seu trabalho, que provavelmente ninguém conhece. O Diário de Notícias tem uma secção de Artes onde também é impossível divulgar seja o que for, além de óbitos célebres e onde os fait divers fazem as vezes de noticiário cultural. 
Quanto às revistas e jornais gratuitos e aos seus digests de títulos com mais de duas linhas, é melhor nem falar. Há uns anos chamavam-se Breves e Foto-legendas às notícias que hoje enchem papel com grande prejuízo para o meio-ambiente e saúde mental de quem tem a pretensão de que lê.
Queixam-se de que a imprensa está a desaparecer? Mas que fez a imprensa nas últimas duas décadas para criar e conquistar leitores? Nada. Só colhe quem semeia. Quiseram transformar a imprensa num produto altamente rentável subtraindo-lhe todas as características que a tornavam única e enchendo as redacções de estagiários não remunerados. Boa sorte.