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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

a obrigação de agradar

 

by MMF

A facilidade de acesso à informação e de comunicação disponível é uma coisa maravilhosa. E parece que vai haver mais, muito mais. A capacidade de gerirmos isso criteriosamente já não é tão maravilhosa e, sinceramente, parece que pode piorar bastante. Ou não.
Um dos aspectos mais fantásticos da tecnologia que nos abre mundos é o poder que nos dá. É a descoberta do que podemos fazer com um simples telefone na mão, redes sociais, botões que nos permitem reagir em tempo real a tudo o que nos chega aos ouvidos, aos olhos e aos rápidos dedinhos que já nascem ensinados a tratar tu cá tu lá com os nossos novos apêndices.
Toda a gente "empoderada", como se diz, toda a gente a saber que importa. Isso é que é viver de acordo com todos os direitos, esses que chegam em nano pedaços de tempo à nossa consciência, prontos a usar, como uma fast food.
Chegam também com uma nova obrigação, a de agradar ao máximo de pessoas, ao máximo de seguidores, ao máximo de indivíduos desejosos de fazer cliques em corações, polegares virados para cima, mãos unidas em gratidão. Um mundo de alegrias e fofuras sem fim.
Até os políticos e os jornalistas aderiram a este mundo sem limites de coisas boas e em tolerância zero para negativismos. Os primeiros porque já aprenderam que os gostos e outros bonequinhos favorecem a sua popularidade. Os segundos porque esquecem os seus deveres deontológicos, a obrigação de verificação dos factos e da verdade.
Neste mundo de emojis felizes e carinhosos, surgiu um pacote de novos pecados: não agradar de imediato, não aplaudir causas como a do queijo que não deve ganhar bolor, não publicar constantemente selfies de intimidades desinteressantes. Entre outros.
Ressalva: partilhar emoções fortes como o cocozinho do cachorrinho acabado de trazer do abrigo, a primeira zanga com a cara metade desta semana, o penso rápido no dedo do pé, ou a t-shirt cor-de-rosa que ficou tingida com a camisola vermelha usada no Natal. Ou outras que podem parecer mais insignificantes mas que, no conforto do sofá, ganham dimensões universais.
Ou seja, todos têm obrigação de nos agradar, compreender e mimar em full time. O problema é como entrelaçamos essa fofura toda com a mesma necessidade dos outros sete biliões de seres humanos do planeta.
Agora que estamos todos tão ternamente ligados, a questão essencial é como adicionamos funcionalidade prática a este mundo arco-íris e livre de dualidades dúbias.
Claro que há sempre os trolls e os maus da fita que jamais terão direito à sua opinião e aos polegares e corações. Gente que se percebe de imediato que não têm desculpa, nem razões aue, aliás, a razão desconhece nesta correria de reacções.
A esses, claro, não faz mal nenhum privar de direitos, estralhaçar, apagar da história dos bons o mais depressa que possam os nossos dedinhos deslizar pelos ecrãs dos telemóveis.
É a nova justiça popular, essa de "apagar" sem misericórdia e com um toque apenas os miseráveis que não fazem cá falta nenhuma. Não no nosso mundinho perfeito e preguiçoso para os lados do contraditório. 
A propósito, já está feita a vossa obrigação do dia? Quantos cliques derretidos em cada rede social? Atenção: não mais do que trinta por dia em cada uma delas, não vá a "rede" castigar-vos com um mês de abstenção total.
Peço já desculpa às ditas redes, que não têm obrigações de gente de verdade, de ser boas, más ou razoáveis. Afinal, só respondem mecânicamente aos demónios e aos anjoa que as usam. Esta coisa do perdão público também é uma questão a apreciar noutra roda de letras.
Deixa-me ir embora agora, ao som das flores da senhora que gosta de verniz vermelho, comprar os ramos para si mesma, escrever o nome na areia e falar sozinha horas a fio.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

arte, para que te quero?

"leaves" by MMF

Diz Jeremy Irons, na pele de Alfred Stieglitz (num filme biográfico sobre Georgia O'Keeffe) que o artista só se torna famoso quando um rico compra a sua obra. Até lá, por melhor que seja, é ignorado por todos.
Nestes tempos excepcionais os artistas aproveitaram para lançar um alerta sobre as condições em que desenvolvem o seu mister, pedindo que não os esqueçam e que também são vítimas das circunstâncias que paralisaram a economia mundial. Mas, na verdade, não é um vírus que paralisa os artistas e a suas actividades. 
Se é uma das pessoas que agora partilha os apelos para o reconhecimento da arte e da cultura, é provável que também faça parte das pessoas que acreditam que ser artista é uma condenação à pobreza e à precariedade.
A não ser que o artista seja uma personalidade pública. E aí caiba na categoria das pessoas que passam, com toda a facilidade, de bestiais a bestas. Só porque a admiração tem a capacidade de se transformar muito rapidamente em ódio e ressentimento, quando os seus alvos não correspondem à idealização que fazem deles. 
A maioria das pessoas não gosta de ser contrariada nos seus desejos, nem admite outra originalidade de comportamentos que não seja a sua.
Porque os artistas são como as mulheres que se atrevem a mostrar a sua beleza de uma forma mais livre: estão a pedi-las.
A maioria das pessoas gosta de ouvir música, de ver filmes, de partilhar imagens, textos e ideias nas redes sociais para mostrar que são pessoas interessantes. Acontece que, interessantes a sério são os artistas que criam essas peças.
Interessante é também o raciocínio que leva as pessoas a atacar os abusadores que ficam com a parte de leão da riqueza do mundo, mas não se importam de usar e abusar das criações dos artistas sem outra consequência emocional que a da pena e da solidariedade virtual.
O abuso que aprenderam a aceitar como normal, e que não se importam de praticar com os artistas é, no fundo, uma forma de discriminação. Como a que afecta as pessoas pelas suas orientações sexuais, religiosas, idade ou etnia. 
Só que neste caso não suscita nenhuma emoção violenta, agressividade ou medo. Pelo contrário. As manifestações artísticas suscitam empatia, prazer, satisfação. Só não geram respeito ou reconhecimento de um valor material.
Nenhum ministério ou ministro da cultura logrou esse reconhecimento e a sua respectiva solução. Nenhum ministério ou ministro da educação jamais considerou sequer a preparação de matérias que corrigissem essa discriminação.
A natureza especial da arte e dos artistas é uma espécie de bem intangível só reconhecível depois da morte (e portanto, pelo reconhecimento da falta que faz). Até lá é como se não existisse para os artistas. Mesmo quem é capaz de gerar dividendos com a criação artística vê o resultado e o reconhecimento do seu trabalho.
O artista não. A sua condição é sinónimo de uma exploração que deixou de se tolerar em relação à escravatura e aos menos bafejados socialmente. Mas o estigma está aí e não há quem o desafie. Batem-se palmas, mas acabado o espectáculo vai tudo às suas vidas. E às partilhas de música, filmes, imagens que preenchem a vida de todos. Menos a dos artistas.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

muito mais

"muito mais" by MMF
Todas as pessoas têm o direito de viver as suas vidas sem serem forçadas a acreditar que há pequenos grupos de outras pessoas que têm o direito de decidir por elas e de explorar as suas capacidades para o seu benefício egoísta.
Parar para terem tempo de pensar nisso é um direito e uma obrigação. Para perceberem que existem muito pequenos grupos de outras pessoas que as fazem acreditar que devem obedecer cegamente a regras por elas criadas e que só servem para usufrutos abusivos desses grupinhos.
Os governos dos países, por exemplo, tornaram-se nessas coligações de indivíduos que, obedecendo a pares seus na crença de nasceram para se aproveitar de todos os outros, impõem regras e "verdades" absurdas sobre todas as coisas.
O planeta, a água, os alimentos, o ar e o espaço não se regem pelas leis e regras dos grupos de governantes ou dos açambarcadores de riqueza. Têm um equilíbrio muito bem delineado e, quando ele se altera, não vale a pena apertar as regras para salvaguardar os resultados defeituosos das formas de estar que parecem conceder apenas a alguns o usufruto de um mundo em que todos têm, originalmente, os mesmos direitos.
As obrigações podem ser resumidas ao simples respeito por tudo o que nos rodeia, e por todos, pela compreensão de que nada existe em isolamento, mas em colaboração.
É muito surpreendente assistir à permanente crença e obediência de todos a postulados que não lhes servem, que sentem como errados, mas que parecem ser totalmente incapazes de rejeitar. Só ficamos na mão desses grupinhos porque lhes entregamos a responsabilidade de nos governar e de nos explorar. 
Talvez porque a tentação da preguiça e da fuga à responsabilidade seja mais apetitosa do que a perspectiva de arrumarmos a nossa casa segundo as nossas crenças primordiais.
Ou porque nos recusamos a acreditar na intuição que nos sopra ao ouvido, todos os dias, que isto e aquilo não está certo. E isso parece ser o suficiente para nos paralisar em relação aos abusos cada vez mais cegos de uns poucos.
Uma pessoa não é o que definem governos, empresas, países, sistemas de exploração maciços. É um mundo inteiro, infinitas vezes superior a menorizantes conceitos descritos em alíneas e artigos de regras que têm de ser reduzidas a um mínimo de palavras para caberem e serem fáceis de consultar em manuais. Para serem fáceis de consultar por outras pessoas que acreditam que podem "na ordem" ditada por gente sem consciência ou imaginação.
As pessoas são muito mais do que se obrigam a sofrer. Há, com certeza, escolhas muito mais inteligentes e prazenteiras do que estas que pensamos estar a fazer pela nossa cabeça e não pelos ditames de interesses alheios.
Somos anjos resignados a viver em infernos que devem ser devolvidos aos respectivos remetentes, sem mais delongas.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

os piratas da informação


Hoje, ao consultar o Público online, aparece-me uma janela como a da figura. Ou seja, a página da web de um órgão de comunicação social, utiliza software malicioso que controla as visitas à página, não anuncia que o faz, nem pede autorização para tal.
Que suposta isenção pode ter um órgão de comunicação social que pratica o que deve denunciar sobre os outros? Que dizer dos artigos em que supostamente denuncia más práticas e iniquidades? Que valor tem a informação que veicula?
Os cursos de jornalismo das universidades há muito que deviam ter sido extintos, visto que o código deontológico do jornalismo é um conceito igualmente extinto e ultrapassado. Quando a comunicação social, ou o quarto poder, se transforma descaradamente numa máquina de propaganda de interesses e abdica da sua função original, nada há que justifique a confiança na informação que propaga. Muito menos quando ignora sistematicamente injustiças, direitos e o livre acesso à informação.
Na verdade, a preciosa informação que o Público disponibiliza online está disponível por toda a net, noutros órgãos de comunicação social e pelas redes sociais, por quem queira armar-se em jornalista ou dar a sua opinião sobre actos e factos.
Poderia dizer-se que não é o mesmo, que não há isenção ou cuidado com verificação das fontes, da veracidade da informação, etc., etc. Mas o mesmo ocorre com os agentes informativos actuais e/ou oficiais. A descrença já feriu de morte a confiança dos consumidores de informação oficial. A manipulação é por demais conhecida para garantir a sua credibilidade.
Há décadas que os meios de comunicação social se esforçam por encontrar uma solução paga ara os seus conteúdos online. Mas tentar a sua implementação com piratices diz tudo sobre as suas verdadeiras intenções.

domingo, 20 de julho de 2014

o som e o pesadelo

«Ventriloquist» by Martin Wittfooth, New York
A engraçada noção que persistimos em manter do Verão associado a férias, descanso e à tranquilidade com que todos sonhamos é sistematicamente pulverizada pelas dezenas de festas populares, festivais e eventos com que, abusivamente, as autarquias e as grandes multinacionais bombardeiam tudo e todos, dia e noite, e já em todas as estações.
Péssimo investimento é comprar ou alugar casas junto dos locais habitualmente escolhidos para esse tipo de eventos, sejam eles citadinos ou de lugarejos que viram infernos durante a sua realização. Para esses casos não há lei do ruído que nos valha, não há prevaricadores, não há direitos.
Além de esmagarem a concorrência de qualquer agente cultural com os seus mega espectáculos ao preço da uva mijona ou totalmente gratuitos, impõem a sua versão de «alegria» e «vida em festa» a todos os infelizes que se lembrem de viver num raio de dois quilómetros do acontecimento.
Os motivos que levam os grandes decisores nacionais a flagelar toda a gente com este conceito de boa disposição pública só podem estar relacionados com os métodos de tortura mais corriqueiros de qualquer polícia secreta e repressiva, em que a privação do sono e da tranquilidade serviram para espremer vontades contra os direitos e os desejos dos indivíduos.
Será que a lei da causa e efeito proporcionarão aos responsáveis por este flagelo uma encarnação num mundo reduzido a uma gigantesca coluna de som a pairar pelo espaço?

terça-feira, 30 de julho de 2013

curiosas contradições

Imagem daqui
Os monárquicos são pessoas curiosas. Não apenas por nos estarem sempre a tentar convencer de que um sistema de governação ultrapassado, como é o da monarquia, pode de algum modo resultar nos dias de hoje, como pela sua cega fé em coisas como um tipo de sangue azul, uma classe social chamada nobreza, privilégios para pessoas que por definição, nada fazem para os merecer, etc.
Tudo começa pelo equívoco da classificação de nobre, que na sua génese nada tem que ver com um nascimento rodeado de privilégios, mas sim com a capacidade de algumas pessoas se destacarem pelos seus méritos (e eventualmente, nobreza, ou seja, qualidade de carácter). 
Os primeiros nobres foram pessoas vulgares, que mereceram de alguma forma essa qualificação, não meninos pálidos e mimados paridos em berços de ouro ou de qualquer outra extravagância pouco própria para o saudável desenvolvimento infantil.
Portanto, sem intervenção divina ou misteriosa, houve uns tipos diligentes que fuçaram bem os seus privilégios e não fazem, nem de longe nem de perto, o tipo do betinho quase efeminado que se afecta especial e nobre por nascimento. Ou do troglodita que se revê no mesmo figurino.
Depois, num país como o nosso, onde toda a gente é em maior ou menor grau família de toda a gente, e onde os ditos nobres tinham o direito de se servir de qualquer mulher, incluindo as nubentes que inadvertidamente se lembravam de casar dentro do perímetro da sua influência, é de crer que tudo o que é português tem pelo menos uma mulher na família que serviu um desses indivíduos. Resumindo, toda a gente é, em maior ou menor grau, senão filho de nobres, pelo menos bastardo deles.
Assim se conclui que os genes da nobreza, o sangue azul, correm por todo o lado. Por acaso até gostava de saber quem seria o timorato genealogista ou escriba oficial capaz de afirmar, com absoluta certeza, que fulano ou sicrano não são, de todo, filhos da turba fidalga que cavalgou à solta por esse País fora, durante centenas de anos.
Já quanto aos privilégios por direito de nascimento de uns tantos escolhidos, é no mínimo uma teoria de mau gosto nos dias de hoje, em que a igualdade de direitos é um valor incontestável para qualquer avisada cabeça ou de comum bom senso.
Andar em bicos de pés é uma tentação vulgar, mas há que reconhecer que o apoio da sola inteira facilita a deslocação e favorece o equilíbrio de qualquer criatura que use esse tipo de apêndices para avançar na vida e em qualquer direcção.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

o maior golpe

foto MMFerreira
Elegemos pessoas para gerirem os bens comuns que, mal se apanham nessa posição, nos subtraem poder e bens, para os alienar, vendendo-os a empresas que assim se tornam donas de nós. Tem de haver uma forma de tornar completamente ilegal este tipo de acções. De ilegalizar permanentemente políticos e o poder que se conferem. Afinal, todos os outros são a maioria e é preciso que seja respeitada.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

atirar a democracia contra si própria


Parecendo até uma medida extremista, esta de tentar a proibição do uso da burka em toda a Europa, por atentar contra os direitos de indivíduos de outros credos que não os cristãos, merece no entanto alguma ponderação.
É que a Europa, com os seus não muito antigos direitos e liberdades adquiridos, já está a braços com algumas das consequências do reconhecimento desses mesmos direitos. Na maioria dos países com uma larga imigração oriunda de países islâmicos, por exemplo, as liberdades e direitos dos cidadãos permitem que os estrangeiros se estabeleçam e se integrem, fazendo mesmo parte dos órgãos locais de governo e decisão.
O que começa então a acontecer? A influência dessas comunidades começa a exercer-se no sentido de restringir certos direitos e liberdades dos indivíduos e é claro que as mulheres e os seus ainda frágeis direitos são as primeiras atingidas.
Ou seja, as liberdades servem para alguns indivíduos limitarem essas mesmas liberdades, visto que o peso das comunidades estrangeiras a nível de governo local ameaça desequilibrar o fiel da balança.
A tentativa da proibição do uso da burka é apenas a ponta do icebergue. Há muito mais do que parece por detrás de um simples véu. E não são apenas os véus muçulmanos que tentam abanar o edifício dos direitos e liberdades. Há muitos outros grupos religiosos, cristãos e nem por isso, que estão muito activos e que também usam com exímia as leis dos países europeus em seu proveito.
Há muito tempo que os líderes religiosos exploram a fraqueza do exercício democrático, virando-o contra si próprio. E se as democracias resolverem fincar o pé e legislar contra determinados direitos fundamentais por causa dos abusos, incorrem no risco de abrir precedentes para outras restrições.
Ora, o que eu gostava era de ver um homem de leis chegar-se à frente e explicar que o universo do direito também está a evoluir e que é possível encontrar sistemas que sirvam a liberdade sem ferir o que é fundamental para o indivíduo.
E talvez, por arrasto, se tenha a sorte de conseguir que um punhado de jornalistas desista de fazer manchetes com lugares comuns e encha os títulos dos noticiários de frases bem formuladas, que além de bons títulos e boa propaganda, sirvam para levantar e debater as verdadeiras questões.



terça-feira, 5 de janeiro de 2010

tentar escapar

Ao contrário dos votos trocados no princípio de outros anos, os deste ano podem começar como os desta conversa, tida há um bocado com um amigo:
- Que tal vai isso?
- Vai indo. Vou escapando aos despedimentos. E tu?
- Trabalhando por conta própria. A tentar fugir ao desemprego.
- Pois. Não está fácil.
- Há que ter calma. Não podemos desatar todos a matar gente e a assaltar bancos, até porque não somos concorrência para os de leste.
- Yah. Vai um dia de cada vez.
- E quando tiver de ser, sempre podemos ir acampar para Belém e São Bento, com a protecção da Guarda Nacional Republicana e outras forças de segurança nacionais. Nem tudo está perdido.
- Pois não. Bem, volto ao trabalho.
- Ok. Também tenho de responder a uns quantos anúncios de emprego.
- Há alguma coisa de jeito?
- Claro que não. Só as empresas de telecomunicações a pedir pessoas para massacrar os incautos pelo telefone.
- Isso dá alguma coisa?
- Despesa, é o que dá. Aquela coisa dos objectivos, sabes? Números aliciantes, mas impossíveis. Pretextos para não pagar o trabalho de ninguém. Recrutam dezenas de pessoas todas as semanas.
- E a malta cai nisso?
- Que remédio. O desespero é péssimo conselheiro. Depois ainda é pior: acaba-se a massa para os transportes e a malta desiste. O passo seguinte é o centro de emprego. Mas como desististe do trabalho, não tens direito a nada.
- Incrível. E ninguém se queixa?
- Não vale a pena. No centro de emprego garantem que nas grandes companhias ninguém toca. O que deve ser verdade, porque continuam a operar no mesmo esquema. E são sempre as mesmas.
- Quais são as alternativas?
- Podes sempre embarcar numa de suplementos alimentares miraculosos, máquinas de filtrar água, aspiradores turbo, máquinas de café expresso, enciclopédias e outros esquemas de pirâmide que vão dar ao mesmo. Em qualquer dos casos, no desespero de cumprires objectivos, lixas todos os teus contactos pessoais. Até podes ter dinheiro para o café, mas ficas sem ninguém para o tomar contigo.
- Isto está mesmo lixado.
- Olha que ainda não. Vês algum governante a tomar medidas para isto?
- Não.
- Então? A malta ainda aguenta. Enquanto os bancos nos derem crédito com o dinheiro dos impostos que nos esmifram, ainda se aguenta.
- E depois?
- Jardins de São Bento. Ajuda connosco.



quinta-feira, 22 de outubro de 2009

qualquer dia...



Já não se pode dizer que se é ateu sem que nos caia metade do mundo em cima. Parece mal dizer ao vizinho do lado, que descobriu Jesus recentemente e foi miraculosamente atacado por uma surdez que o impede de ouvir outros argumentos que não os seus, que não se acredita em entes superiores. Também já não se diz nada quando, na rua ou numa loja qualquer, alguém de turbante ou com um cruxifixo ao peito aproveita para nos esfregar na cara todos os milagres e benesses de uma vida religiosa. Evita-se abrir a boca quando se sabe que alguém é deste ou daquele credo, sob pena de incorrer numa discussão malsã e indesejada, se a outra parte descobre que não pertencemos a nenhum credo, seita ou grupo evangélico. Já nem se contestam em voz alta a regressão dos direitos humanos a que se sujeitam as mulheres que aderem a cultos na esperança de assim preencherem um pouco mais as suas vidas já privadas de certas regalias.
Como é que se diz a uma pessoa religiosa, que o facto de ela aceitar um dogma não implica que toda a gente seja obrigada a fazer o mesmo? Como é que se explica que a palavra "não" tem o mesmo significado num caso de violação sexual e num de violação de direitos?
Como é que, de repente, por se ser religioso, se pode ser intolerante para todos quantos não o são?
Que deus mesquinho e mal disposto aponta para quem nasceu descrente de outras forças que não a sua e escreve pela mão de outros que esse ser humano deve ser perseguido e privado dos seus direitos essenciais, em nome de um punhado de religiões que riscaram a liberdade de expressão dos seus catecismos?
Que deuses serão estes que supostamente conduzem os seus fiéis a abusos de poder em seu nome e lhes dão carta branca para inomináveis atitudes que esses mesmos fiéis jamais aceitariam para si?
Que medo é este que se gera nos nossos dias quando alguém diz que não acredita na bondade desses deuses e é capaz de silenciar as mesmas vozes que defendem direitos e liberdades e conquistas sociais que tantos sacrifícios exigiram para se atingirem?
Por que é que ninguém diz que um escritor tem o direito de não acreditar num determinado deus e até de ter uma opinião sobre ele, sem que isso o torne numa vítima de quem dele discorda?
Porque, se a divindade se espelha nesta gente que a representa, então livrai-nos da salvação...