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sábado, 14 de março de 2020

dia lindo, de coração cheio

"Dia Lindo" by MMF

Está um dia lindo e mesmo que tenha de andar à procura de sítios que ainda tenham batatas e frango porque ainda não foram alvo de saque irracional, vai continuar um dia lindo.
Mesmo que as marteladas indevidas na casa ao lado me tenham arrancado ao sono, está um dia lindo, porque o senhor do martelo disse, num tom quase amoroso: "vizinha, vou tentar evitar. e a rebarbadora, incomoda?".
O dia continua lindo mesmo comigo a olhar para as plantas que tomaram conta da casa e que vou ter de domar, mais tarde ou mais cedo. Mesmo que ninguém faça ideia do quanto me fascina o vigor com que elas invadem tudo e se espalham sem ordem aparente. Pelo menos que veja ou entenda, ou caibam nas linhas geométricas com que achamos que organizamos tudo.
Lindo, mesmo que tenha de explicar muitas vezes que os espirros e os olhos vermelhos, mais o peso na cabeça são das alergias, porque a primavera é mais venenosa do que o vírus de quem até a Virginia Wolf teria medo.
O dia vai manter-se lindo mesmo com os milhares de disparates que toda a gente se vê constrangida a publicar nas redes sociais, como se não houvesse amanhã. Não há infecção mais perigosa do que a da estupidez e a da compulsão de fazer parte da vida no papel de um sempre-em-pé a agitar-se para todos os lados.
O dia é sempre lindo, mesmo quando muitas calamidades nos batem à porta e parece que nem os tentáculos de um polvo seriam suficientes para resolver tudo ao mesmo tempo, como nos purés instantâneos. Quando nem nos lembramos que está lindo e que é para isso que as quarentenas servem, para nos dar o tempo e a tranquilidade de nos religarmos à beleza e à inultrapassável necessidade que temos dela para viver de coração cheio.

terça-feira, 30 de julho de 2013

curiosas contradições

Imagem daqui
Os monárquicos são pessoas curiosas. Não apenas por nos estarem sempre a tentar convencer de que um sistema de governação ultrapassado, como é o da monarquia, pode de algum modo resultar nos dias de hoje, como pela sua cega fé em coisas como um tipo de sangue azul, uma classe social chamada nobreza, privilégios para pessoas que por definição, nada fazem para os merecer, etc.
Tudo começa pelo equívoco da classificação de nobre, que na sua génese nada tem que ver com um nascimento rodeado de privilégios, mas sim com a capacidade de algumas pessoas se destacarem pelos seus méritos (e eventualmente, nobreza, ou seja, qualidade de carácter). 
Os primeiros nobres foram pessoas vulgares, que mereceram de alguma forma essa qualificação, não meninos pálidos e mimados paridos em berços de ouro ou de qualquer outra extravagância pouco própria para o saudável desenvolvimento infantil.
Portanto, sem intervenção divina ou misteriosa, houve uns tipos diligentes que fuçaram bem os seus privilégios e não fazem, nem de longe nem de perto, o tipo do betinho quase efeminado que se afecta especial e nobre por nascimento. Ou do troglodita que se revê no mesmo figurino.
Depois, num país como o nosso, onde toda a gente é em maior ou menor grau família de toda a gente, e onde os ditos nobres tinham o direito de se servir de qualquer mulher, incluindo as nubentes que inadvertidamente se lembravam de casar dentro do perímetro da sua influência, é de crer que tudo o que é português tem pelo menos uma mulher na família que serviu um desses indivíduos. Resumindo, toda a gente é, em maior ou menor grau, senão filho de nobres, pelo menos bastardo deles.
Assim se conclui que os genes da nobreza, o sangue azul, correm por todo o lado. Por acaso até gostava de saber quem seria o timorato genealogista ou escriba oficial capaz de afirmar, com absoluta certeza, que fulano ou sicrano não são, de todo, filhos da turba fidalga que cavalgou à solta por esse País fora, durante centenas de anos.
Já quanto aos privilégios por direito de nascimento de uns tantos escolhidos, é no mínimo uma teoria de mau gosto nos dias de hoje, em que a igualdade de direitos é um valor incontestável para qualquer avisada cabeça ou de comum bom senso.
Andar em bicos de pés é uma tentação vulgar, mas há que reconhecer que o apoio da sola inteira facilita a deslocação e favorece o equilíbrio de qualquer criatura que use esse tipo de apêndices para avançar na vida e em qualquer direcção.