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terça-feira, 24 de outubro de 2017

parolismos e finezas

 Elephant in the Room – Claire Morgan – Hull UK City of Culture 2017 (Photo by Tom Arran)
Lembrava-me um amigo, aqui há dias, que a cultura não tem que ver com as artes, mas com uma fórmula mais abrangente de estar [Edward B. Tylor: cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade"].
Algumas pessoas desenvolvem, durante a sua vida e por motivos que não vale a pena enumerar aqui, uma insegurança que as leva a considerar a sua cultura sempre aquém do que outras culturas fazem ou desenvolvem. A galinha dos vizinhos parece-lhes sempre mais gorda que a sua.
Temos então os parolismos, que são aqueles considerandos que levam as pessoas a aclamar cegamente o que se faz "lá fora" como o cúmulo do moderno e desenvolvido. E a desdenhar o que se desenvolve à porta como coisas sem valor e sempre abaixo dos modelos de outras bandas e outras culturas.
Não havendo nada de errado nas ideias e nas formas como se desenvolvem as culturas estrangeiras, não deixa de ser um parolismo negar a própria e condenar a criatividade local às catacumbas da inutilidade.
Por exemplo, Cascais tornou-se nos últimos anos, um exemplo de parolismo extremo. Confunde-se o cosmopolitismo com a imitação cega, compram-se mundos e fundos de ideias e espectáculos estrangeiros e não se aproveita a matéria-prima local.
O contacto com culturas diferentes nada tem de despropositado e é até estimulante. Mas dar-lhe a primazia enquanto se enche a boca com as características qualidades locais, é no mínimo insensato e arrisca uma amálgama descaracterizante que, no final, só prejudica a cultura local. Quem, no seu perfeito juízo, viria para Cascais ver o que pode ver nas suas cidades de origem?
É o talento e a cultura local que atraem gente de outras culturas. É desnecessário mostrar-lhes mais do mesmo, porque não é isso que buscam.
O medo de não ser suficientemente bom para os outros é um parolismo a evitar. O que nos faz bons é o respeito pelo que somos e fazemos, assim como o respeito pelo que os outros fazem e sabem. Conjugar as duas coisas é uma fineza de espírito que nos torna excepcionais.
[A fineza de espírito consiste em pensar com honestidade e delicadeza - François Rochefoucauld]

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Michel Houllebecq e o extremismo dos média



David Pujadas (22 Heures) faz desta entrevista uma espécie de inquisição ao trabalho do escritor. Ao que parece, ser um autor de grande sucesso obriga o romancista Michel Houllebecq a justificar todas as "intenções" da sua ficção.
Nesta sociedade obcecada com o controlo das ideias, o "grande jornalismo" perdeu de vista a sua vocação original para assumir o papel das grandes tendências deste século: ao indivíduo é exigido que se retrate sempre que se afasta da ideia decidida pelo establishment, enquanto aos políticos e figurões dominantes se sugere, timidamente, que nos elucidem sobre as suas determinações.
David Pujadas não ouve o entrevistado, ignora sistematicamente as suas respostas, tendo logo de início estabelecido que Michel Houllebecq gosta de ser polémico, e durante as suas intervenções, tem o cuidado de olhar com frequência para a câmara e assegurar que ele é a estrela da entrevista e que as suas palavras são dominantes durante a mesma.
Truques de algibeira para desacreditar o papel do escritor e a sua obra, que é uma das mais lidas actualmente. David Pujadas chega ao ponto de confundir o autor com asa suas personagens, como aquelas pessoas que, na rua, abordam os actores das telenovelas e os confrontam com os defeitos e qualidades das suas personagens.
Triste espectáculo o desta entrevista, em que o escritor é acusado de dar um presente a Marie Le Pen, com a publicação do seu último romance "Soumission", lançado este ano. Mal se ouve a resposta de Michel Houllebecq, afirmando que nem considera o "extremismo" descrito como tal.
Na realidade, ninguém está interessado em saber as razões do escritor quando tenta dar veracidade às suas personagens. O importante é convencer os seus leitores de que é um extremista e impedir os futuros leitores de comprarem a sua obra ou, fazendo-a, que a leiam sem os preconceitos do regime instituído.
No fundo o establishment sabe que o domínio das ideias é o único e verdadeiro poder, sendo pois de extrema importância condicionar o pensamento de todos através de conceitos que não são, nem inteligentes, nem verdades universais, mas apenas castradores e consubstanciadores do verdadeiro extremismo e do verdadeiro terror: a ideia de que as ideias têm de ser limitadas e que a violação deste facto constitui um perigo e, portanto, um crime.
O extremismo limita e, nesse aspecto, a ordem mundial a que estamos sujeitos é de uma castração ímpar. Michel Houllebecq pensa tão livremente quanto pode, escreve da mesma forma e, como muito bem diz, o que as pessoas pensam é com elas. E não há regime que possa impedir esse facto, embora as tentativas sejam muitas, repressivas e a maior tolice de que um ser humano é capaz.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

hoje, o foco

Artwork by MMFerreira
Hoje fiz umas curvas e acabei por reencontrar um caminho. Com facilidade, diga-se. Basta olhar em volta, identificar, enumerar e verificar que padrões nos chamam mais a atenção. E hoje foram estes, em laranjas, amarelados, cremes e verdes. É fácil deixar fugir uma ideia central quando tanta coisa à nossa volta parece empenhada em distrair-nos do foco principal. Afinal, não é nada do que está à volta. É apenas falta de foco. Somos nós que temos de agarrar uma ideia e mantê-la sob apertado controlo. E todo o caos se organiza como por milagre à nossa volta.