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sexta-feira, 23 de março de 2018

livros, redes e conhecimento

foto MMF

Esta imagem de uma exposição de há anos, no Porto, de livros guardados atrás de grades, numa visualização daquilo que sempre foi o destino, ou fado, destes objectos e do conhecimento, das ideias que armazenam através do tempo.
A leitura é sempre um passeio novo, por terrenos desconhecidos, virgens e revigorantes. Amplia a nossa visão do mundo e das possibilidades sempre renovadas que os outros nos descrevem. A forma com pensam exemplifica a grande variedade de pensamentos que sete biliões de seres humanos praticam neste planeta a todo o instante, criando infinitas possibilidades e combinações.
Não é fácil imaginar esta rede natural de conhecimento que funciona sem parar e sem ajuda de outro instrumento que não o do nosso pensamento. É a maior rede sem fios do mundo, gratuita, completa e verdadeiramente livre.
Com alguma ironia, as redes também simbolizam prisões, divisões, limites que pomos em prática. Quando abandonamos a visão geral para nos escondermos atrás de protecções imaginárias que, afinal, nos separam com a sua segregação artificial.
Quando falamos uns com os outros, se nos abstrairmos das convenções sociais que nos engaiolam muito mais do que qualquer rede de metal, a troca de conhecimento e de experiências é motivante e libertadora.
Ao ler, entramos também em contacto com o registo escrito de conhecimentos e ideias de quem não está fisicamente presente na nossa vida. Ou quando escolhemos qualquer outra forma de expressão de um ser humano, artística, quotidiana, pensada ou espontânea. 
Há sempre algo extremamente motivante na percepção deste quadro magnífico de que fazemos parte e que impulsiona a nossa experiência neste mundo. Qualquer coisa que nos faz pressentir a divindade colectiva de que fazemos parte. A pertença superior que nada nem ninguém pode alguma vez anular. 
Tudo o resto é ilusão e birra de quem presta mais atenção ao que se passa com os outros do que ao que traz dentro de si.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

'Sexo Inútil', de Ana Zanatti: honestidade e senso comum

Capa da Sextante baseada numa obra de Tim Madeira e Ana Zanatti; fotografia da autora de Inácio Ludgero
A primeira razão para se ler O Sexo Inútil, de Ana Zanatti, é a facilidade com que se começa e acaba a leitura. Alguns livros, como este, têm o condão de nos manter suficientemente interessados para não descansarmos enquanto não chegamos ao fim. Não se assustem, pois, com o facto de ser um ensaio, e longo, porque se lê como um romance, embora não o seja. A autora é uma grande contadora de histórias e demonstra-o aqui muito bem.
A segunda é por ser um livro que se pode dar a ler a qualquer pessoa. Sem receio de chocar ninguém , porque tudo é dito muito directamente, mas sempre de forma muito correcta. "Apesar do meu fraco apelo por experiências radicais, a minha natureza que tende para a harmonia, a conciliação e a paz, perante a liberdade ameaçada reage explosivamente. Era assim e assim se mantém." (pp. 464), escreve a autora. A sua explosão surge, no entanto, da honestidade interiorizada, não da defesa que despoleta o ataque gratuito.
Ana Zanatti diz tudo o que deve ser dito, sem afrontar ninguém. Não se esquece de ver o outro lado e evita os julgamentos de valor que não passam também de preconceitos. E esta é a terceira razão para ler o seu livro.
Outra boa razão (quarta) para meter o nariz nesta não ficção é o facto de fazer um bom apanhado de todos acontecimentos que promoveram a visibilidade e os direitos lgbti em Portugal e lá fora, assim à laia de história muito breve. As notas são informativas, extensas q.b. e não perturbam a leitura. Além disso, a autora adiciona inúmeras referências a escritores e obras com excelentes contributos para alargar os nossos horizontes como leitores e como seres humanos interessados em fazer da vida uma experiência com sentido.
Depois, cada capítulo tem o título de um filme, o que nos obriga a pensar numa maratona cinéfila de livro na mão, a viajar pelas pequenas e grandes inspirações que deram origem a uma classificação desse tipo. Sugestivo e a adicionar como quinto motivo para se ler este livro.
O fio condutor de todo o trabalho é a longa troca de correspondência com uma jovem cujos problemas cativaram a atenção da autora. É fácil a identificação do leitor com inúmeras experiências de ambas. Mais fácil ainda se percebermos como determinadas posturas são comuns a todos nós e não se restringe ao âmbito da orientação sexual. Sexto motivo do interesse desta obra.
Por fim, destaque para a compaixão implícita nas suas quinhentas e muitas páginas. No sentido do amor pelo outro e por um honesto esforço para o entender. Na correspondência, nas entrevistas feitas com homossexuais e familiares, e nas reflexões da autora.
A mudança em nós não se dá sem o contributo dos outros e, só com essa transformação pessoal podemos almejar um comportamento diferente dos que nos rodeiam. A discriminação com base na orientação sexual é apenas mais um pretexto para conformar a nossa liberdade aos limites de crenças insensatas, que surgem de escassas ou inexistentes reflexões sobre o que pode ou não pode acontecer na nossa vida.
O sexo inútil é, por todas as razões acima, um livro útil para quem não se conforma e mantém dentro de si a noção que tudo pode ser melhor se amadurecermos ideias mais correctas sobre o que é realmente a nossa liberdade como indivíduos e como sociedade. Com honestidade e senso comum, como nos sugere Ana Zanatti.


segunda-feira, 20 de julho de 2015

ler traz felicidade

Desenho daqui

A leitura traz felicidade e isto não é uma afirmação vã. Basta pegar num livro quando estamos transtornados e começar um parágrafo para experimentar de imediato uma realidade diferente da que nos pôs naquele estado.
Quando não consigo meditar e, através dessa prática, readquirir o meu equilibro, leio. Ou desenho, ou pinto, ou ouço música. Às vezes vejo um filme. Algumas pessoas ligam a televisão e vêem novelas. Outras recorrem a palavras cruzadas, sudokus, grandes questões matemáticas ou da física. Ou numa mais corrente forma de concentrar a atenção como a jardinagem, a cozinha ou o arranjo de uma torneira.
Todos nós temos, sem nenhuma forma especial de aprendizagem, estas formas de nos concentrarmos numa tarefa que nos desliga de um momento difícil para nos mergulhar num outro espaço e tempo em que a realidade tem um ritmo e uma tonalidade muito mais apaziguadoras.
Não consigo meditar é uma expressão sem significado para quem tem consciência de todos estes pequenos instrumentos de acesso imediato à paz e à felicidade.
Ficar em sossego, bem sentado, a prestar atenção à respiração, ao movimento do ar que entra e sai do nosso corpo é tão bom como pegar num livro e mergulhar num outro espaço mental, ou cozinhar com atenção um prato que nos apeteça no sossego da cozinha.
É tão bom como ouvir um concerto e deixar que as emoções corram de vez com o nosso constante esforço para julgar tudo e todos à medida do que tão bem nos treinaram para fazer e tão mediocremente molda as nossas vidas.
Ler traz felicidade e contacto com o mundo dos outros. É o nosso veículo de transporte mental para vidas, viagens, sonhos e aventuras que existem em outras cabeças e que podemos partilhar instantaneamente.
Ler livros é uma obrigação quando tudo o resto que é preparado para nosso consumo se limita a pacotes de regras, leis e notícias cuidadosamente formatados para nos amargurarem a vida e nos manterem sob o efeito do medo, a droga mais mortífera e livremente traficada dos nossos dias.
Leio com consciência de que quem escreve produz uma diversidade e uma abundância de oportunidades a que dificilmente se tem acesso num mundo aparentemente desesperado e desertificado pela falta de ideias, de nobreza e de entusiasmo pela aceitação de outras formas de ver, sentir e pensar.
Fico mais feliz assim, sabendo que o que os livros me trazem são as ideias de quem vive mentalmente muito mais do que parece possível e que partilha comigo essa riqueza extraordinária.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

silêncio que estou a ler


Eram momentos sagrados, os do pequeno-almoço tomado em silêncio, a ler banda desenhada. Às vezes lanches, outras vezes, o prazer de ler com uma taça de papa misturada com leite condensado.
Durante anos, o meu avô materno coleccionou todos os suplementos de banda desenhada dos jornais portugueses, que enviava para as netas, em Moçambique.
A recepção daqueles pacotes era um momento alto das nossas vidas. A mãe Aida abria a encomenda à nossa frente, para não se perder nada. E decretava a seguir o ritmo a que se consumiria aquela leitura.
Uma vez por mês chegava também o caixote dos livros, encomendados numa livraria da Beira. E mais uma vez se repetia o ritual. E a distribuição das leituras.
Os livros foram sempre tantos que, ao sair de Moçambique, houve que tomar a dolorosa decisão de lá deixar quase tudo. A doação à biblioteca de Inhambane aliviou um pouco a separação. Mas confesso que me custou deixar as pilhas de banda desenhada para trás.
Já voltei a Inhambane e à biblioteca, mas os livros não estavam lá. E os leitores pagam 5 meticais para levantar livros. A parte dedicada aos livros ocupa agora uma sala do edifício alocado à polícia.

sábado, 6 de junho de 2009

um coração cheio de reais



As editoras portuguesas estão amuadas com as suas congéneres brasileiras que andam a comprar os direitos de obras em língua portuguesa para todo o mundo e assim as impedem de editar autores em Portugal, deixando os leitores interessados entregues às edições em português do Brasil. (Ver aqui)
A culpa, dizem, é do acordo ortográfico. Que julgavam? Que os brasileiros se deram ao trabalho de dinamizar a aprovação do dito porque gostam do sotaque? Os corações verdes e amarelos pensaram foi nos reais. E o resto é ingenuidade e amuo que só nos faz perder mais tempo.
Durante mais de trinta anos não houve a mínima preocupação em pensar numa estratégia que permitisse investir também no mercado dos PALOP. Não houve capacidade para pôr aos cinco livros de cada vez à venda nas principais cidades dos territórios que já foram portugueses. Mas os armazéns das editoras estão cheios de sobras de muitas edições, cujo caminho provável é a venda ao quilo, para a reciclagem.
Em vez de comprarem os direitos para a língua portuguesa no mundo, bastavam-lhes os direitos para aqui, a pensar nas dificuldades que haveria em entrar no mercado brasileiro e ignorando as ex-colónias portuguesas, mesmo após as boas intenções criadas com a CPLP.
A poupança tem as suas desvantagens, assim como a preguiça de pensar um pouco além do nosso quintal.
Não muda nada, é claro, porque o que fazem os editores brasileiros podem fazer os portugueses. Podem alegar que o mercado é muito maior, que já há muitos editores com sotaque, etc. Mas também há dificuldades económicas muito maiores do que cá e, no entanto, multiplicam-se em iniciativas e ganham terreno onde por cá nem se tenta.
Os brasileiros pensaram no mercado de Moçambique e de Angola? Também os espanhóis, os franceses, os chineses e todos quantos possam chegar lá. Vamos entrar no jogo ou vamos ficar a chorar no canto, amuados como meninos mimados e habituados a chantagens emocionais?