terça-feira, 30 de dezembro de 2008

receita

acreditasse eu na palavra felicidade... e acertaria nas medidas :)
felicidade tem uma sonoridade muito própria, reverbera-me pelos ouvidos e cabeça de forma muito peculiar. negativa.
fico-me com: alegria, contentamento, euforia, desafios, ...
(kasca de noz)

Um dia decidi ser feliz. Assim, sem mais nem menos, cansei-me da angústia, da pressão, da tristeza e de todas as coisas que não queremos para nós nem para os outros, mas que teimamos em arrastar atrás de nós uma vida inteira.
E comecei a ser feliz. Com toda a simplicidade, tomei uma decisão e passei a viver de acordo com ela.
Se há ano e meio atrás me dissessem que a felicidade é apenas uma questão de optar por uma forma de estar na vida, teria achado que ainda há mais maluquices entre o céu e a terra do que nos dão a ver os nossos olhos.
O certo é que a solução é tão simples que nos parece completamente inverosímil. Estamos tão habituados a cultivar o negativo que nem nos lembramos da hipótese contrária.
Afinal, se passamos tanto do nosso tempo a desejar a felicidade, por que razão não pomos esse desejo em prática? O que nos impede? E quem e o quê?
Nada. Absolutamente nada. A felicidade está aí para ser vivida, tal como milhões de outras coisas que nos interessam ou não. Por que raio de tortuoso malabarismo mental nos consideramos tão incapazes de viver em felicidade?
A resposta a essa pergunta já não me interessa. Porque deixei de me questionar e desejar para me deixar, tout court, arrastar pela vivência do que realmente busco e me apaixona.
Essa foi a minha receita para a felicidade, que aqui passo à Ka, que não acredita na palavra.
Tenho para mim que as palavras são mágicas e que quando elas nos apaixonam, tudo é possível. Tenho para mim que tu, Ka, que tanto gostas de palavras e que deixas que elas te apaixonem, também podes ouvir esta palavra felicidade da forma que eu a ouvi e deixar que ela te soe como tanto gostas que as palavras te soem.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

palavras felizes

Hoje acordei feliz. Nem sei bem porquê, mas feliz.
O Natal também foi feliz, passado como o desejei, com as pessoas que queria rever. Nem sempre é possível, mas este foi assim, bem disposto e sereno.
Não corri para comprar uma única prenda, não recebi enormidades, mas fui abraçada, mimada e contemplada com conversas longas, temperadas com muitas pequenas provas de amizade.
Gastei muitas palavras, como gosto. Ouvi muitas mais, como também gosto. Haverá melhor forma de encerrar um ano?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

entre extremistas

Um novo ataque terrorista em Bombaim faz as parangonas dos meios de comunicação social em todo o mundo. Entre a crise provocada pela ditadura da economia e estes actos igualmente extremistas, há gente anónima que tenta manter as suas vidas a um ritmo normal, nesta guerra de poderes que cilindra inocentes.
Não há, contudo, nada de inocente no massacre aparentemente aleatório entre estes dois extremismos: o da voraz economia orientada para a exploração intensiva de todos os recursos humanos e materiais, e o da alucinada resposta de terroristas, nacionalistas ou lá o que valha.
Afectam-se vidas e felicidades em nome de ideais que não são, felizmente, os da maioria das pessoas. A vida continua longe da luta de poder e cabe-nos a nós, gente anónima, prosseguir as nossas vidas longe dos conflitos megalómanos criados por quem, com toda a certeza, não tem tempo a perder com as pequenas alegrias e conquistas de uma vida normal.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

qual crise qual nada

Ai a crise, ai a guerra...
Que seria da economia sem uma guerra?
Dos transportes ao fardamento, manutenção, alimentação, alojamento, armamento, IT e engenharia, uma guerra é um maná para os negócios.
E depois da guerra, a reconstrução continua a ser uma boa oportunidade de negócios.
Quando a economia está boa, não são precisas guerras.
Não sei para que é tanto alarido quando tudo se planeia tão cuidadosamente em torno das melhoras ocasiões para fazer dinheiro.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

parabéns, pa



Passam-se anos sem que a gente diga o que é realmente importante às pessoas de quem gosta e a quem ama como é difícil amar outras pessoas.
Falo, claro, do meu pai, na foto. A gente tem o amor dos pais por garantido e raramente se dá ao trabalho de dizer que esse amor é retribuído.
Hoje, no dia do seu aniversário, aproveito para dizer que o amo - e acho que é a primeira vez, que a preguiça dos filhos na verbalização destas coisas é sempre inacreditável.
Amo-o sobretudo pela capacidade que ele tem de amar, sempre a dar a impressão de durão distraído que não liga a essas coisas.
A verdade é que ama e amou sempre a sua família de seis mulheres tagarelas, rezingonas, com mau feitio, tolas, irrequietas, inconformadas, exigentes, com propensão para o drama, para as grandes paixões e para os sonhos impossíveis.
Dele herdei as mãos fadadas para o desenho e para a pintura, os rompantes de mau génio e a teimosia. E muitas outras coisas em que, com o tempo, nos reconhecemos nos pais.
Lembro-me da expressão da cara dele quando, depois de horas perdida no mar ao largo de Inhambane, me viu chegar finalmente à ponte de cais no navio da guarda costeira.
Lembro-me das caçadas à noite, sentada ao lado dele no Land Rover, do chá gelado e dos bolinhos de arroz quando amanhecia e se parava no meio de uma picada. Lembro-me de o espreitar de madrugada, quando saía e ainda toda a gente dormia. Da carrinha azul que arranjou para nos levar a nós e às outras crianças para a escola que ficava a quatro quilómetros todos os dias. Dos passeios pela praia a apanhar conchas e do cheiro do líquido com que o ajudávamos a limpar a colecção que ocupava quase todos os móveis do escritório. Das saudades que até davam vontade de chorar quando esteve colocado no Norte de Moçambique e longe de nós.
Lembro-me sempre de imensas coisas e hoje em especial, porque faz anos e estou à espera de o ver online, pela webcam do portátil, para lhe dar os parabéns (não julgues que te escapas).
Feliz aniversário, Pa!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

a beleza



Surpreende-me a beleza contida em coisas simples. Surpreende-me o amor que suscita, a felicidade com que nos inunda. Quando os meus olhos encontram o belo, qualquer coisa desperta em mim, como se um sentido oculto se me revelasse nesse momento. E é com amor que partem os meus olhos para outros destinos. É com amor que prossigo a minha vida.

domingo, 21 de setembro de 2008

colonização do império

No passado dia 1 de Setembro, o canal de televisão britânico Channel 4 transmitiu o documentário "Undercover Mosque: The Return". Uma repórter muçulmana, com uma câmara escondida, dirigiu-se à maior mesquita londrina, em Regent's Park, para se juntar ao grupo de mulheres que ali assiste regularmente à cerimónia religiosa numa galeria separada dos homens. A seguir, horas de doutrinação, com Amira, uma muçulmana educada na Arábia Saudita, a instigar simplesmente à morte de todos os que estão contra o Islão - cristãos, que segundo ela são repugnantes, mulheres adúlteras, homossexuais e pessoas que abandonam a fé muçulmana. "Kill, kill, kill", é a frase com que a doutrinadora termina cada explicação e exemplo.
O documentário mostra também o acolhimento, na mesma mesquita, de grupos de jovens e pessoas de outros credos, no âmbito de um programa que teve o aplauso do governo britânico e destaque nos principais meios de comunicação social do país. A iniciativa destina-se a dar a conhecer o Islão aos não muçulmanos para uma melhor integração entre as diferentes comunidades. A seguir às sessões, o discurso da doutrinadora muda radicalmente e volta ao original catecismo extremista e instigador de violência.
O documentário é uma visão parcial e desconcertante da Inglaterra de hoje, em que vários grupos religiosos, que não apenas os muçulmanos, ao abrigo das estritas leis britânicas de defesa dos direitos à liberdade de culto e de minorias, usam esses mesmo direitos para se instalar na Grã-Bretanha, doutrinando e instigando contra as liberdades de outras minorias.
Igrejas de todas as denominações proliferam por todo todo o lado. Há uma constante circulação de grupos, missionários e crentes que, com vistos de estudantes, multiplicam os seus números com imigrantes de todas as nacionalidades e de todos os cantos do mundo. Não se sendo britânico ou europeu, os estudantes só podem trabalhar um máximo de 20 horas semanais, cobrindo os grupos e comunidades religiosas parte das suas necessidades básicas com alojamento mais barato e trabalho prestado dentro das comunidades, muitas vezes em condições muito pouco dignas, mas validadas pelo "espírito de missão".
O afluxo de imigrantes não qualificados, tornado em mão-de-obra barata, tem as simpatias das grandes cadeias retalhistas do Reino Unido, que o usam como uma "best practise" de "management" e as tornam mais competitivas em relação ao comércio tradicional. No entanto, a força de trabalho barato que parecia ser um "eldorado" para economia britânica já a sentir os efeitos da recessão global, está a revelar-se um acelerador da crise económica e das mudanças irreversíveis da nova ordem mundial.
Quem ganha pouco também compra pouco e isso não se aplica apenas aos imigrantes. Os cidadãos britânicos com poucas qualificações vêm-se agora obrigados a competir em termos de igualdade com a mão-de-obra barata e também estão a perder o seu poder de compra, obrigando as empresas a ainda maiores medidas de contenção para manter os seus lucros à tona.
Entre a religião e a economia, o Império Britânico enfrenta hoje uma das maiores vagas colonizadoras de que há memória, em consequência directa das conquistas sociais das últimas décadas.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

à sombra



Gosto das sombras e do repouso que me proporcionam. Não há reflexão nem renovamento sem a frescura e o isolamento da sombra. Ficar na sombra é uma atitude sensata, amadurecida e reveladora.
Descanso, penso, sonho, escrevo e pinto na sombra. Nenhum outro lugar me oferece o que tenho na sombra.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

mostro-me aqui



Mostro-me aqui - o meu universo azul (óleo sobre cartão)- num instantâneo do que me acode ao pensamento. Rostos e segmentos, fragmentos de cor e forma, peças de um puzzle à espera de conclusão.
É um quadro em movimento, sempre em (r)evolução. As palavras são demasiado lentas para acompanhar este universo. Enquanto o meu olhar se fixa numa das suas ínfimas parte e verbaliza o seu conteúdo, inúmeros outros segmentos já se mexeram, desapareceram ou se transformaram noutros.
É impossível fixar neste instantâneo a realidade, pois no começo era uma coisa e durante as pinceladas apenas se apanham fragmentos e, ao terminar, já não é nada do que fica na tela.

domingo, 14 de setembro de 2008

ausências

Perdoem-me se me ausento. De facto, não saio daqui, não abandono jamais quem amo. A minha alma precisa, no entanto, de viajar. De caminhar sem rumo por sítios que ainda não conhece. Precisa de se deixar encantar e embalar pela beleza, pela aventura, pelo que ainda lhe falta descobrir.
Não é nada de grandioso, nem perigoso. É apenas um abandono necessário, ao encontro dos meus anseios. Na verdade, recomendo-o a todos.
Andar pelas nuvens é apenas mais um caminho, traçado em paralelo com as rotinas do dia a dia. É durante esses passeios que nos é dado apreciar o tanto que temos e que perdemos de vista na curta contagem dos passos que damos todos os dias na vida do imediato.
Saber que também calcorreamos outras estradas é essencial para nunca nos perdermos nas pequenezas diárias. É reconhecer a nossa riqueza interior e ganhar a experiência que às vezes nos falta para a reconhecer nos outros.
Por isso, não me levem a mal que me ausente. No fim, regresso a vós com uma mão cheia de coisas importantes. Como os sorrisos, os sonhos, a felicidade, a paixão.
Não é justamente assim que me querem?

sábado, 13 de setembro de 2008

o novo e a liberdade



Gosto de estradas, de caminhos, da liberdade do desconhecido, de todas as escolhas que ainda não fizemos.
Gosto de seguir em frente, pela noite dentro, sabendo que para lá das luzes existe todo um mundo que ainda não conheço.



quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Os xamãs de hoje

Na secura do materialismo dos dias de hoje, os artistas são os únicos xamãs aceites e autorizados pela sociedade. Repositórios de conhecimentos esquecidos e ligações misteriosas com mundos paralelos de imensa riqueza, materializam-nos em manifestações artísticas que nos devolvem visões surpreendentemente belas, equilibradas e arrebatantes da realidade.
Em oposição a quem considera a arte fútil e inútil, quando vejo as multidões que acorrem a concertos, espectáculos e outras realizações criadas por gente capaz de ver e viver além da parca economia de sobrevivência, regozijo-me sempre com a eterna capacidade para sonhar e reinventar a realidade de que são capazes os artistas.
Toda a gente sabe que a arte não dá de comer porque o ouve repetidamente ao longo de toda a vida. No entanto, poucos são os que resistem ao arrebatamento de uma canção, de uma representação, de uma pintura, de palavras ditas e escritas.
É magia, sim, essa forma de comunicar com o que dentro de nós explode quando se encanta com uma peça artística. É magia essa coisa de pegar em sentimentos, objectos inertes, irracionalidades e transformá-los em coisas que fazem sentido, sendo embora intraduzíveis mesmo quando é nas palavras que desenrolam a beleza pela qual todos suspiram.
É magia essa capacidade de apelar com tanta autoridade ao que dentro de cada ser humano grita por algo mais.
O artista é o xamã que, com olho mágico, escrutina a alma e arranca dela ansiedades incontroláveis, desejos profundos, novas visões. Momentaneamente despojado das amarras materiais, mergulha no inconsciente colectivo como um caçador de pérolas para trazer à superfície minúsculas porções de riqueza.
Pode passar uma vida inteira sem o reconhecimento material do seu trabalho ou dos seus pares, mas dedica teimosamente toda a sua energia ao que é a sua função nesta vida. O seu trabalho aparentemente irracional e louco completa lacunas e é em geral tolerado. De vez em quando, censurado, porque também há quem nele intua a capacidade de uma arma. Não das que tiram vidas, mas das que a renovam e revolucionam.
Sem o peso do controlo humano que onera crenças e religiões, o xamã-artista circula quase livremente entre nós, contribuindo decisivamente para a contínua transformação de ideias e conceitos. É um visionário cujo rótulo de inutilidade é, de facto, o seu melhor escudo contra o controlo do estabelecido.

e o sonho?

Gosto de olhar para cima, assim como na fotografia do cabeçalho. Levantar os olhos é assim como levantar a alma, elevando-a até à altura daquilo com que sonhamos.

domingo, 20 de julho de 2008

reaprender a cor

Cada local tem a sua luz própria e, de cada vez que mudo de latitude, passo uns bons meses a tentar adaptar-me à nova paleta de cores.
A luz em Londres é espantosamente vibrante. Nos dias cinzentos sobressai a cor de tijolo, quente e definida, em contraste com as cores pálidas da pedra e os metalizados e os vidros das novas construções.
A Inglaterra é uma terra sempre verde, em qualquer estação, e o céu muda permanentemente. Não surpreende por isso que tenha produzido alguns dos maiores aguarelistas, porque a paleta da aguarela lhe pertence.

sábado, 24 de maio de 2008

vinte e um anos
























Eu, que gosto de tempestades, calhou-me esta há vinte e um anos.
E muito bem, que eu gosto de gente que leva tudo à frente.
Carpe diem!

sábado, 3 de maio de 2008

um boris em londres

(Discurso de Boris Johnson, novo mayor de Londres)

Podia estar a pensar no Outono em Pequim e no Boris Vian, com pneus que empalidecem de susto e outras alucinantes viagens pelo imaginário livre de um criador. A realidade é que nada tem de criativa a loucura que se pressente no carismático líder conservador que acaba de ganhar a corrida pelos destinos da nova Londres.

Boris Johnson faz-me lembrar Samora, Fidel, Mugabe, Chavez e outras explosivas estrelas que prometiam novos luzeiros em céus de mudança e afinal arrastavam consigo a morte e a decadência nos seus rasgos luminosos de estrelas cadentes.

Talvez precisemos destas estrelas moribundas para entender a necessidade de mudar radicalmente a nossa vida. E entende-se assim um Boris em Londres, uma metrópole em profunda mudança, onde as dissonâncias sociais se tornam cada vez mais patentes e reflectem o novo Reino Unido.

Uma economia forte que soube atrair imigrantes e aproveitar a mão-de-obra barata de todo o mundo, está em queda virtiginosa e a braços com uma tradição democrática agora engenhosamente usada por esses mesmos imigrantes para fazer valer os seus direitos de uma forma que ameaça preverter algumas das mais importantes leis britânicas sobre a liberdade e direito de expressão.

E agora um mayor conservador, com a habilidade de nos desconcertar com as suas saídas pouco convencionais, tão semelhante aos novos inquilinos de Londres, capaz de cativar simpatias de um eleitorado ainda mal definido à luz da recente demografia da capital de todas as nações.

Porque é preciso passear por Londres durante o dia para assistir ao desfile de todas as nacionalidades ali representadas. É preciso circular ao fim da tarde para ver a cidade transformar-se como do dia para a noite, observar o êxodo dos ingleses para a periferia, o recolher dos trabalhadores diurnos e a lenta chegada dos que vivem de noite na cidade.

À excepção de dois ou três bairros boémios, Londres nocturna pertence a bandos, bolsas de indivíduos que se aprende a evitar. Cinemas e teatros têm sessões "tardias" que começam às sete da tarde e terminam às nove, a tempo de se apanhar os transportes que saem da cidade e nos conduzem às zonas suburbanas mais rurais e tranquilas.

Durante as manhãs dos fins-de-semana bem podíamos afirmar estar num país muçulmano, sikh ou africano, a julgar pelas massas de gente vestida a rigor, burkas e turbantes incluídos, que se movimentam a caminho dos cultos e reuniões étnicas para todas as medidas e gostos. E para as novas igrejas que enchem o Reino Unido de imigrantes missionários munidos de vistos de estudantes que lhes permitem trabalhar apenas 20 horas semanais para se sustentar, a uma média de 100 libras semanais onde os quartos alugados cobram no mínimo esse montante para alojar tantos quantos caibam em dois metros quadrados de espaço.

É neste ambiente que o Boris londrino cai como um arcanjo salvador, sabe-se lá de que maiorias ou minorias. E que o senhor Brown luta para convencer os britânicos de que ainda é capaz de dar a volta a uma economia que afinal apenas espelha uma novem ordem mundial para a economia e para a sociedade.

Digam lá se não é o mesmo que tomar chá de cogumelos e esperar em fugaz delírio que tudo acabe, de uma maneira ou de outra. Não me espanta pois que as igrejas, mesquitas e outros locais de culto se encham de gente à procura da vida com que sonham numa qualquer terra prometida.

O prometido é devido sim, mas há que ler as letrinhas menores do contrato...

domingo, 20 de abril de 2008

onde está a pobreza, Maria?

Pelas conversas de três dias, Maria Cavaco Silva concluiu que a pobreza na Madeira "não tem significado. Há uma nova realidade muito semelhante ao que acontece no Continente (…) Mas situações de miséria, miséria total… e eu tive a grande preocupação em perguntar isso, a Segurança Social tem a situação totalmente levantada, as pessoas trabalham em rede, estão muito bem articuladas", reiterou. A CDU deixou um apelo ao Presidente da República para que a Madeira integrasse um roteiro presidencial para a inclusão. "Foi a ele, não a mim. Se ele vier, eu venho logo", disse. (DN, 20-04-2008)

Não deixa de me desconcertar a facilidade com que figuras públicas produzem enormidades como estas. E não há quem as contradiga, claro, porque os jornalistas em Portugal são, cada vez mais, relatores de inaugurações e festinhas de tapas e perfumes caros.

Está na crista da onda, a senhora, a das elites governantes mundiais que, depois de ignorarem durante mais de duas décadas os relatórios da ONU e de outras entidades, alertando para a inevitável "subida" dos pobres para o Norte, para os países mais ricos, vêem agora as suas economias em franca derrapagem com a entrada maciça dos imigrantes fugidos à pobreza "sem significado".

Quiseram aproveitar a mão-de-obra barata e submissa para fazer crescer os seus negócios? Olha que bela ideia... Só que se esqueceram que quem não dá, não recebe. Pagam pouco, desceram o nível salarial dos imigrantes e, consequentemente, dos cidadãos nacionais e, agora, com o poder de compra muitíssimo abaixo do que estavam habituados, quem é que faz andar o negócio? Ai, Jesus, que vem aí a crise, a nova ordem económica e social, as mudanças há tanto tempo preconizadas...

Governar é prever, não é? Para quem, afinal?

Cara senhora Maria Cavaco Silva: vou começar a coleccionar fotos da pobreza na Madeira, junto-as todas num belo quadro pop à maneira das latinhas Campbel dos Warhol deste mundo (eu sei que a senhora se arroga o gosto pela Arte) e envio-lho para se entreter como fazem as crianças com os puzzles do Wally.

O secretário regional dos Assuntos Sociais da Madeira afirmou esta terça-feira que 18 por cento da população nesta Região vive com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo regional, dos quais 4,7 estão abaixo do limiar da pobreza.

Francisco Jardim Ramos falava na abertura de um colóquio sobre «Práticas de Intervenção Social» que no Funchal.

O governante referiu que os 4,7 por cento vivem com menos de 360 euros por mês e que o Centro Regional da Segurança Social «tem, neste momento, 7.885 beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI)».

Fonte: Agência Lusa (21 de Novembro de 2007)

quarta-feira, 19 de março de 2008

dia de pai e filha


















A catraia da esquerda, na fotografia, é a minha irmã Xuxu, ou Ana, para quem não é da família. A foto foi tirada no Mecúfi, que fica no Norte de Moçambique e é uma das praias mais bonitas que conheço (desculpa, mana Bomba, mas não tinha aqui nenhuma fotografia contigo).
A Xuxu hoje faz anos. Nasceu no dia do Pai e teve a sorte de ter, como parteiro circunstancial, o nosso pai. Foi há quarenta e sete anos, em Vilanculos, outra praia linda.
O hospital local na altura era um pouco rudimentar e houve alturas em que o médico tinha de instalar os pacientes em cima de mesas e coser ferimentos de jacarés e outras forças naturais com o que tinha à mão.
Chegada a altura de nascer esta minha irmã, o médico achou que a casa dos meus pais era mais do que adequada ao acontecimento. Por isso, como nos filmes, preparam-se as fervidelas e lá esteve a minha mãe em trabalhos, pela quarta vez. Foi uma experiência e tanto, com o Dr. Ribeiro e o meu pai a constatar que, se fossem mulheres, jamais teriam filhos. Foi com certeza um momento de inspiração para a parturiente, que felizmente já se lembra disso com humor.
A experiência criou, claro, um elo especial entre o meu pai e a Xuxu, que sempre foi franzina, difícil de alimentar, energética e divertida. Só ela tinha pedacelos, faltas discipliquinates e creio que foi a responsável moral pelos casos pondados e ponto final, uma expressão que se vulgarizou entre nós cinco (irmãs) quando, à mesa, imitávamos os adultos nas suas conversas ponderadas (pondadas).
A Xuxu de hoje é uma mulher que admiramos, com um humor que continua a desmanchar-me de riso. Parabéns, mana.



















O pai é este, muito entretido a ensinar-me a assobiar. Também me ensinou outras coisas que ainda hoje recordo. Descubro-me muitas vezes a sorrir das coisas que o vi fazer e dizer.
Lembro-me, por exemplo, das viagens de land rover pelas picadas moçambicanas e da forma como nos dizia para fechar os olhos quando surgia uma daquelas pontes que eram apenas dois troncos atravessados sobre o rio. Explicava ele que fazia pontaria com o carro e depois fechava os olhos, esperando acertar. Um dia abri os olhos para ver se ele fechava os dele. A memória é traiçoeira, eu sei, mas quase posso jurar que ele também fechava os olhos, como nos dizia...
Houve uma vez que fiz uma birra no fim de uma caçada. Era uma pirralha e já estava acordada há muitas horas. A excitação de participar naquelas expedições com o meu pai também não me deixava dormir em condições. Por isso, toca a embirrar porque queria atirar com uma espingarda. E não me calava, que do meu pai também ganhei a teimosia e a determinação. Então ele acedeu. Mandou-me pôr em cima de um morro de muchem (formigas com asas), deu-me a espingarda e, vá, atira. Atirei e caí para trás, claro. Ainda não tens idade para atirar, concluiu ele. Passou-me logo a birra. Ficou a humilhação, claro.
De outra vez, a minha irmã Paula e eu resolvemos que já éramos suficientemente crescidas para fumar. Determinadas, fomos ter com o meu pai e comunicámos-lhe a nossa decisão. Ele concordou e prestou-se logo a ajudar-nos. Encheu um cachimbo, acendeu-o e passou-o para as nossas mãos, com instruções precisas sobre como inalar profundamente e reter algum tempo o fumo antes de o soltar. Assim fizemos e o resultado foi irmos a correr para a casa de banho para vomitar. Então, não querem mais?, quis ele saber. Claro que não quisemos, durante muitos anos.
Quem é a Lola? foi uma pergunta que ele repetiu tantas vezes, que se tornou um clássico familiar. A Lola era uma amiga nossa, que de vez em quando passava férias connosco. Um dia, quando estávamos todos a almoçar e a conversa era, mais uma vez, sobre as coisas que a Lola fazia, o meu pai levantou os olhos e perguntou, quem é a Lola? Foi a gargalhada geral, porque a Lola estava à mesa connosco.
O certo é, que ao longo dos últimos cinquenta e três anos, tem sido pai das cinco filhas e o role-model dos cinco netos que não tiveram oportunidade de saber o que é ter o pai sempre presente.
Parabéns, Pa.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

parabéns, Ma



Faz hoje 75 anos a senhora que vêem aqui ao lado, comigo ao colo. A foto tem cinquenta anos e foi tirada em Vila Paiva de Andrade, na Gorongosa.

Aida nasceu na Lisboa dos anos trinta. Após um parto complicado, a bebé que não reagia foi atirada para um canto, embrulhada em lençóis, enquanto se prestavam cuidados à mãe.
Uma bebé tão linda, que pena... Comentou o médico depois de passada a urgência com a parturiente. E a seguir empenhou-se em a reanimar, no que foi bem sucedido.
Longe estava o seu anónimo salvador de imaginar as aventuras que a vida reservava à pequena criatura que por pouco não ficou esquecida num canto de uma maternidade alfacinha.

Com uma diferença de dezoito anos do irmão mais velho, Aidinha era o ai jesus da família. Aplicada nas coisas da escola, recebia do pai uma flor branca sempre que o dia era de exame. E não desperdiçou nenhuma.
Cheia de iniciativa, chegou um dia a casa gelada por ter passado várias horas numa fila de racionamento para receber uma garrafa de azeite. Em Lisboa partilhava-se então com a Europa o pesadelo da Segunda Guerra Mundial. Anos mais tarde fez parte do coro da Emissora Nacional e cantou com caras conhecidas como os irmãos António e Luís Andrade. Também praticou esgrima com perícia.

Casou aos vinte e um anos com um bem parecido aspirante acabado de sair da Escola Colonial e, aos vinte e dois, com uma filha de três meses, aterrou no Moçambique profundo, no posto fronteiriço do Dombe, onde chorava de pavor das trovoadas e dos tremores de terra. Foi a sua estreia fora de Lisboa, num lugarejo que ficava durante meses isolado do mundo pelas cheias.

Esta senhora é minha mãe e afirma a pés juntos que eu jamais teria nascido se, a caminho da cidade da Beira pelas picadas da Gorongosa, por via das imprudentes buzinadelas do meu tio, uma manada de elefantes não tivesse carregado sobre o carro, resultando isso no meu "despejo" imediato assim que chegada ao hospital. E é dela que tenho as minhas primeiras memórias, de quando me levava a passear no carrinho ao fim da tarde, por uma estrada de terra vermelha ladeada por eucaliptos.

Aida tornou-se uma atiradora exímia, companheira de caçadas e de grandes noites de king, de viagens e de andanças pelo mato fora antes do Sol nascer. Mulher de armas, era capaz de dispersar a tiro grupos de macacos que pilhavam as machambas (hortas), mas saltava de pavor quando alguém gritava que havia uma cobra por perto. Assistiu ao início da guerra colonial em Cabo Delgado, conheceu uma mão cheia de grandes figuras do regime, montou e desmontou casas, andou com as malas e a família atrás durante dezoito anos, sobrevoou planaltos no meio de tempestades, andou em traineiras ao longo da costa e teve animais de estimação tão estranhos como um papa-formigas, uma lagartixa que vivia na máquina de costura, um javali, dois jacarés, uma burra e uma vaca.

A sua história de amor com o meu pai, que dura há mais de cinquenta e sete anos, produziu cinco filhas e um ror de dores de cabeça, mais cinco netos manientos e uma bisneta a caminho.

Não vou estar aí para te fazer um uísque antes do almoço e te pôr a dançar o pino, mas brindo daqui ao teu dia, Ma. Parabéns.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

milena























Escreveu Isabel Bento:

Quando no início desta semana soube do lançamento do livro Que força é essa, de Madalena Barbosa, decidi desde logo que teria que estar presente. Não sabia então que, neste mesmo dia, não só iria estar no lançamento do seu livro mas também no seu funeral, poucas horas antes.

São exemplos de vida como a de Madalena Barbosa, que vale a pena preservar na nossa memória, como exemplo de dignidade e de coragem na luta por um Mundo mais justo e menos desigual, onde tod@s temos o direito de ser felizes.

O artigo, de Sofia Branco, que hoje foi publicado no Público, vale a pena ler.

1942-2008

Madalena Barbosa

A incansável feminista

Milena, como lhe chamavam, fez da militância profissão e da igualdade a causa de uma vida.

A última homenagem surge em forma de livro, uma compilação dos seus textos, lançado hoje.


Elas chamavam-lhe Milena. Elas, porque a militância feminista em Portugal tem sido um exclusivo das mulheres. Madalena Freire de Avelar Barbosa, o seu nome verdadeiro, mudou a sua vida, fez do activismo profissão e da igualdade a maior causa. Morreu ontem, a semanas de fazer 66 anos, com um cancro.

O nome de Madalena Barbosa aparece associado a todos os movimentos, grupos e associações que, em Portugal, se bateram e se batem ainda pela igualdade de direitos entre mulheres e homens.
Técnica da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género - que antes foi Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres e antes ainda Comissão da Condição Feminina, mudanças de nome que Madalena Barbosa acompanhou -, teve um percurso tradicional até ao 25 de Abril. Nascida em Faro, casou aos 18 anos, em Angola, onde cresceu. As duas filhas mais velhas nasceram na ex-colónia.
Após o regresso a Lisboa, em 1964, teve mais quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas. "Podia ter optado por ser dona de casa, era casada com um marido com dinheiro, podia ter tido uma vida sossegada", diz a escritora Maria Teresa Horta. Mas optou por desconstruir "a ideia de que a feminista não tem a ver com família, com filhos, com amor".
Madalena Barbosa foi exclusivamente dona de casa e mãe de família até ao 25 de Abril, altura em que se juntou à multidão que esperava a libertação dos presos políticos de Caxias. "O 25 de Abril deu a volta à Madalena, como a centenas de mulheres portuguesas", recorda Teresa Horta.
A 7 de Maio, Madalena Barbosa está entre o grupo de apoio às "Três Marias" (Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa), que eram julgadas pela obra Novas Cartas Portuguesas, no Tribunal da Boa-Hora. Era a última sessão do julgamento e o resultado foi a absolvição.
No final, um grupo de mulheres, entre as quais Madalena Barbosa, junta-se em casa de Isabel Barreno. É nessa noite que nasce o Movimento de Libertação da Mulher (MLM), a primeira estrutura feminista portuguesa organizada, que ocupa uma casa na Pedro Álvares Cabral, em Lisboa, a partir da qual reclama a igualdade de oportunidades, o direito ao divórcio, a gratuitidade dos métodos contraceptivos e a despenalização da interrupção voluntária da gravidez - uma das causas a que mais se dedicou.
É aqui que a vida de Madalena Barbosa toma outro rumo. E é preciso ter em conta que "a capacidade de rebelião de uma mulher, de fuga às normas, sempre foi menor do que a dos homens", recorda a ensaísta Isabel Barreno.
Madalena Barbosa divorcia-se e vai estudar. Entra na Faculdade de Letras de Lisboa, no ano lectivo de 1979/80, por exame ad hoc, para cursar História. A decisão é tomada em conjunto com a historiadora Irene Pimentel (Prémio Pessoa 2007), de quem já era amiga e com quem fez muitos trabalhos em conjunto. "Fomo-nos empurrando uma à outra", lembra Pimentel.
Os estudos não ficaram por aqui. Aliás, Madalena Barbosa manteve a preocupação de se actualizar constantemente - procurando, como frequentemente dizia, enquadrar a luta pela igualdade em Portugal no contexto global.
Invisibilidade e tectos de vidro: representações do género na campanha eleitoral legislativa de 1995 no jornal Público foi o título da sua tese de mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, no ISCTE. Na comissão estatal responsável pela protecção e promoção da igualdade, Madalena Barbosa dirigiu, coordenou e elaborou vários estudos sobre as mulheres em Portugal, que estiveram na base de medidas legislativas nas áreas dos direitos humanos, trabalho, pobreza e sexualidade. Representou Portugal, nomeadamente nas reuniões das Nações Unidas sobre direitos das mulheres, e a União Europeia em várias cimeiras e conferências internacionais. Foi responsável pela preparação das questões da igualdade durante a presidência portuguesa da União Europeia e do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidade para Todos.

A homenagem
A intervenção de Madalena Barbosa estendeu-se à política - autodefinia-se como socialista. Filiada no PS a seguir ao 25 de Abril, adere ao Bloco de Esquerda quando este nasce. Integra a Mesa Nacional do novo partido, mas sai em ruptura quando, em 1999, o BE acorda com o PS não levar a votos as alterações eleitorais que imporiam a paridade. Regressa ao PS com Ferro Rodrigues como secretário-geral. Foi candidata nas eleições intercalares à Câmara de Lisboa, em 2007, pelo movimento Cidadãos por Lisboa, liderado por Helena Roseta.
A 22 de Fevereiro, elas, as que lhe chamavam Milena, tiveram a ideia de a homenagear. Organizado em tempo recorde, o livro Que Força É Essa - uma compilação de crónicas e textos de reflexão (muitos dos quais publicados no PÚBLICO), escolhida pela própria já a partir do hospital onde estava internada - é lançado hoje.
"O livro dá-nos uma espécie de retrato da evolução da sociedade portuguesa", diz Maria Isabel Barreno. "Fala de assuntos em que as mulheres são sempre as directamente implicadas. Mas os assuntos das mulheres são assuntos da Humanidade."
Madalena Barbosa escolheu Isabel Barreno para fazer a apresentação do livro que lhe ocupou os últimos dias. "É uma das homenagens que lhe faço. ...
", admite a ensaísta.
(...)

"Acho que nunca me vou habituar a falar dela no passado. Tínhamos um código comum. Nenhuma de nós ia recuar, nenhuma de nós ia dizer "estou cansada, que aborrecido falar sempre da mesma coisa". O que nos movia era a consciência absoluta de que as mulheres têm o direito a ser felizes. Hoje fico mais só", confidenciou a escritora Maria Teresa Horta.

A coerência de Milena é o elogio mais frequente. "Morre a maior feminista portuguesa e o maior mede-se em coerência, em princípios, em lealdade, em honestidade. Em momento algum, a Madalena deu o dito por não dito", diz Teresa Horta. "Foi de uma coerência total e absoluta. Nunca se arrependeu da escolha do feminismo. E é muito perigoso ser-se feminista em Portugal."
É essa coerência que a faz ter "uma vida profissional que acompanha a militância pessoal", que a leva a não fazer "qualquer separação entre uma coisa e outra". "Toda a sua vida é esse simultâneo", corrobora Isabel Barreno.
(…)

"Velemos agora pelo futuro, que a nossa força é muita" é o apelo que Madalena Barbosa nos deixa no seu livro.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

até já madalena























Morreu hoje Madalena Barbosa, uma mulher que muitas vezes vi sorrir e, aparentemente, não reagir em situações capazes de me rasgar por dentro.
Para mim, que nasci com aquela tola convicção dos afortunados de que nada me é negado nem por ser mulher nem outra razão qualquer, nem sempre foi pacífica a relação com a forma de estar da Madalena, que nos transmitia sempre uma bonomia e uma tranquilidade que em muito destoava da sua luta por direitos fundamentais.
Não porque eu tenha tido uma luta e uma vida mais fáceis do que as suas. Nem pela década e meia que separa as nossas gerações. Mas por ter tido eu a sorte de beneficiar de uma educação que me sustentou a postura desafiante do estabelecido.
Por isso maior é admiração pela Madalena e pelo trabalho que soube desenvolver, à sua maneira, ao seu ritmo, sempre com a mesma paciência. Espero que as mulheres mais novas saibam apreciar o que ela tanto contribuiu, e a quanto custo, para que beneficiem hoje de coisas que a ela lhe foram completamente vedadas. E espero que se detenham a apreciar a riqueza com que preencheu a sua vida.
Eu, que acredito que não há acabar nem começar, mas sim uma viagem eterna em que vamos tecendo os laços com que nos ligamos uns aos outros, digo: até já, Madalena.

(in Publico.pt, 21 de Fevereiro de 2008): Madalena Barbosa, fundadora do Movimento de Libertação das Mulheres, em Abril de 1974, organismo de luta pelo "direito à igualdade de oportunidades, sem discriminação de género", morreu hoje aos 66 anos, anunciou o grupo parlamentar do PS.
Nos anos 80, Madalena Barbosa integrou a Comissão da Condição Feminina, actual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, onde trabalhou até agora, lembra o grupo parlamentar do PS. Nas eleições intercalares de 2007 foi candidata à Câmara de Lisboa pelo Movimento Cidadãos por Lisboa.
No decorrer da sua carreira, a activista representou Portugal e a União Europeia em várias cimeiras e conferências internacionais, nomeadamente em Nova Iorque.
Madalena Barbosa auto-definia-se como "feminista, socialista e mulher, chamada em outros lugares do mundo gender expert".
Madalena Barbosa morre um dia antes do lançamento de "Que Força é Essa", o seu livro de crónicas e textos de reflexão sobre temas como feminismo, igualdade e estudos de género, participação cívica e política. A obra será lançada amanhã na Fábrica Braço de Prata, no Poço do Bispo, onde também será feita uma última homenagem.
A União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) já lamentou o falecimento da feminista, a quem diz prestar homenagem por se tratar de "uma das primeiras lutadoras pela despenalização do aborto em Portugal". Foi "uma mulher que sempre se firmou como feminista em todas as dimensões da sua vida", sublinhou a UMAR em comunicado, acrescentando que vai "preservar o exemplo de dignidade e de coragem revelado nos dias mais difíceis da sua vida".
Em comunicado, a UMAR apela à "participação das feministas portuguesas" nas cerimónias fúnebres de Madalena Barbosa, sexta-feira às 16h00 na casa mortuária Santa Joana, em Lisboa. O funeral segue para o cemitério do Alto de S. João, onde o corpo será cremado pelas 23h00.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

pequenos sinais de perigo

Cartoon de Paresh Nath, «National Herald»

A nossa memória distrai-se com tanta notícia, com tanto acontecimento, com tanto telejornal.
O certo é que a recém-declarada independência do Kosovo pode bem ser também o mais claro sinal de que o mundo se prepara para uma nova clivagem, com os EUA e a UE a tomar partido pelo Kosovo, e a Rússia e a China a torcer o nariz e a afirmar que a lei não é apenas a que o Ocidente entende.
E aqui a Europa tem de se lembrar que todos os seus conflitos maiores começaram exactamente nos Balcãs. As duas Grandes Guerras tiveram origem em lutas intestinas naquela região e não está fora de causa que esta questão seja mais uma chama perto do rastilho.
Até porque a economia europeia está a precisar de uma sacudidela e toda a gente sabe, ou devia saber, que as guerras não se fazem porque alguém decide que uma fronteira não está bem desenhada assim e ficaria muito melhor assado. Não, as guerras não acontecem assim.
Por trás de uma guerra está o imenso dinheiro necessário para a iniciar, as inúmeras indústrias que de repente recebem um incremento de actividade, das águas engarrafadas às simples embalagens plásticas para todo o tipo de produtos, do armamento às peças para camas, carros, tendas, refeitórios, estradas, pontes, abrigos, medicamentos, hospitais e organizações não-governamentais.
E depois da guerra, que destrói gente mas, sobretudo, destrói construções, equipamentos e infra-estruturas, adivinhem quem investe e reconstrói e permanece nos locais como accionista...
Portanto, além da sacudidela de que a Europa precisa, há que considerar as sacudidelas da Rússia, que tem de se reorganizar também, da China, que quer ser vista e ouvida, além dos EUA, que têm de arranjar uma guerra mais próxima que a do Médio Oriente para fazer dinheiro.
A questão agora é: voltamos à guerra fria, ou andamos à estalada a sério? O que irá render mais a curto, a médio e a longo prazo?
Entristeço-me pelos jovens de hoje, que entre o desemprego e uma carreira de armas forçada, numa era em que as seguradoras tendem a substituir a responsabilidade civil dos estados, podem ter a certeza que nunca ninguém aceitará fazer-lhes um seguro de vida ou de saúde. A geração a seguir poderá, no entanto, colher os frutos dos conflitos e esbanjá-los numa segunda versão da dolce vita.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

o monopólio de deus
























(Igreja metodista de Bishop's)


Nunca fui tão assediada por toda a espécie de credos como desde que cheguei a Inglaterra. Anda muita gente perdida por aí a oferecer-me consolo de que não necessito.
Eles são metodistas, evangelistas, muçulmanos, qualquer deles com um activíssimo corpo de recrutadores, missionários e outros activistas que não nos largam.
O pior, no entanto, é a sua inabalável fé no monopólio de Deus pelo seu nicho de companheiros de crença. Com tanta reivindicação da verdade absoluta por parte de templos e congregações, qualquer incauto candidato a crente se sente dilacerado entre tantas forças, qual condenado a desmembramento atado a uma quadra de cavalos apontada a quatro diferentes direcções.
O monopólio de Deus é quase como um clubismo, uma facção, uma claque. É fantástico o número de missionários empenhados na salvação de almas, de tal forma que a evangelização tem vindo a adaptar-se aos tempos modernos, recorrendo a sofisticadas técnicas de divulgação e captação de fiéis com canais satélite, panfletos, CDs e DVDs, acções de rua e intercâmbio de adeptos.
Os canais religiosos de televisão dispensam inclusivamente várias horas diárias à explicação e demonstração de exemplos de sucesso financeiro. Deus providencia.
Entre as sensatas leis inglesas de liberdade religiosa, não discriminação e direitos de minorias, as múltiplas profissões de fé encontram confortáveis nichos protectores que exploram até às últimas consequências. Até à intolerância e abuso da sua liberdade, no insistente assédio a tantos quantos se cruzem nas suas empenhadas cruzadas por Deus, Alá e qualquer outra entidade a quem se reconheça qualquer espécie de autoridade sobre ímpios e quaisquer outros a quem se não reconheça capacidade para levar a sua vida em consonância com os ensinamentos divinos livremente interpretados por qualquer líder religioso.
Aos fins-de-semana Londres enche-se de gente vestida de branco ou de preto, de cabeças cobertas a caminho dos locais de culto. Enchem-se anfiteatros de crentes que protestam o seu amor ao Divino e reivindicam os Seus milagres.
De repente, o monopólio de Deus é um movimento de proporções assustadoras que ameaça transformar as democracias em estados da Idade Média.
O monopólio de Deus tem estado a angariar fundos para missões em África e noutros continentes a troco de votos em líderes políticos conservadores, que garantam a erradicação de conquistas legislativas de direitos individuais suadamente conseguidos nas últimas décadas.
E se esses líderes vencerem as próximas eleições norte-americanas, a Europa nada fará para contrariar a super-potência mundial nos seus ímpetos radicais de conservadorismo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

nós




















Confesso que gosto de passear contigo assim, em alegres maluqueiras, a perseguir esquilos com a máquina fotográfica, a evitar as grandes poças de lama e a discutir se há-de ser a imagem do clube de golfe ou a dos carros a circular pela esquerda a que mais interessa para depois mostrares aos amigos. Não alinhamos quase nunca pelos mesmos gostos nem, às vezes, pelos mesmos desejos. Não conseguimos decidir se agora há-de ser o cinema ou mais uma volta pela baixa. Mas que importa? É bom estar contigo.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Azul e branco




















Sempre foi claro para mim que existe uma aliança sagrada entre o branco e o azul. Não consigo imaginar maior suavidade, maior complementaridade, maior profundidade. Gosto da ideia de que no branco cabem todas as cores e depois, não resisto à elegância do azul. Ao romantismo. Àquela qualidade que o identifica com o infinito, com a eternidade, com a única e verdadeira natureza das coisas. Se eu tivesse criado o mundo, era assim que o fazia, azul e branco, quase monocromático mas, também, muito mais seguro do que o imenso universo de todas as cores. Suponho que assim é mais alegre. Mas eu amo o azul e o branco. Ou o branco e o azul. Já não sou capaz de sentir o mesmo pelo preto e pelo branco, mas confesso que exerce sobre mim atracção. E não posso deixar de admitir que toda a vasta gama de cinzentos, em contrastes crus com pretos e brancos tem uma elegância aterradora. No entanto, prefiro a suavidade, a sensualidade dos azuis e brancos, o sabor que quase me invade a boca ao vê-los escorrer, em grossas golfadas de tinta, sobre uma tela. O cheiro frio e arrebatador dos brancos, o calor contido dos azuis. Que fazer? Amo os azuis e brancos. São para mim como a complementaridade no amor, a paixão e a serenidade, o vento e a água. Um amor que surja entre azuis e brancos tem uma delicada definição. Equilíbrio, beleza e força, elegância. É contenção sem escorregar para o folclore multicolor. Emoção sem o desequilíbrio de notas demasiado altas ou desencorajadoramente baixas. Gosto mesmo dos azuis e brancos.